
Desde que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso, veio ao Espírito Santo lançar o plano nacional Pena Justa, no dia 20 do mês ado, diversas informações enganosas ou distorcidas sobre projetos que não existem nos presídios ganharam as redes sociais. É o caso de aulas de jiu-jítsu e até Netflix disponível em televisões nas celas.
Os dois exemplos não fazem parte do programa federal nem estão na lista das ações de ressocialização realizadas nas 37 unidades prisionais do Espírito Santo.
Mas de onde saíram essas informações? No caso da oferta de serviço de streaming, o boato surgiu de uma das ações do plano Pena Justa. Isso porque o projeto piloto contempla a instalação de monitores na Penitenciária de Segurança Máxima 2 (PSMA 2), em Viana.
O local abriga os presos mais perigosos, que permanecem em suas celas por 22 horas, sem o à educação formal, ao trabalho e à cultura previstos na Lei de Execução Penal, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Mas os detentos não podem escolher a programação, como se fosse uma televisão. Também não há o à internet. O monitor fica em uma caixa de aço blindado e com dispositivo de alarme. Os conteúdos exibidos são de TVs públicas e educativas, como filmes, inclusive, sobre direitos humanos. A seleção é aprovada pelo CNJ.
No caso das artes marciais, tudo indica que veio de uma confusão entre atividades realizadas no sistema penal de adultos e nas unidades de internação destinadas a menores em conflito com a lei, cuja gestão e projetos são diferentes.
Aulas de jiu-jítsu realmente aconteceram, mas não em presídios e sim em um dos centros do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases). Segundo a instituição, era uma proposta que acompanhava o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que inclui atividades esportivas aos menores internados. O projeto foi posto em prática em agosto de 2023 e encerrado no mesmo ano.
Outras postagens enganosas alegavam que detentos teriam salão de beleza, como se usufruíssem de tratamentos. O fato é bem diferente do boato: os presídios do Estado têm, na verdade, cursos de qualificação e capacitação na área de estética para os presos, com foco na ressocialização (veja mais exemplos abaixo).
Impacto das fake news
A divulgação desse tipo de conteúdo enganoso é considerada preocupante pelo secretário de Estado da Justiça, Rafael Pacheco, responsável pela gestão do sistema penal capixaba. Ele tem usado o mesmo espaço, as redes sociais, para mostrar o que de fato é oferecido aos presos.
“As fake news atrapalham o debate racional sobre o tema. Envenenam com mentiras todas as estruturas, o poder público, a sociedade, que são levadas a erro, acabam tomando decisões de forma errada, e vamos colher o resultado desses erros”, pondera.
Pacheco refere-se, por exemplo, ao impacto que a desinformação pode causar na tramitação de leis e até na limitação de recursos para a gestão do sistema. “Discordar é democrático, mas precisa ser de forma responsável. Inverdades que induzem a erro podem ter consequências sérias. O que se oferece aos presos são oportunidades para novos caminhos, porque, no dia em que cumprirem a sua pena, vão voltar ao convívio da sociedade”, destaca.
Entre os conteúdos sobre falsos benefícios que seriam dados aos presos no Espírito Santo, um dos que ganhou repercussão foi o deputado estadual Lucas Polese (PL). Em postagem em seu perfil na rede social, o parlamentar criticou a oferta de “salão de beleza” e “aulas de jiu-jítsu” para presos.
Questionado pela coluna, Polese informou que é contra a realização de atividades como as citadas para detentos do regime fechado. “Os presos têm que ter medo dos presídios, como em outros países”, alega. O parlamentar protocolou na Assembleia Legislativa alguns projetos contrários a esse tipo de ação, entre eles um para vetar aulas de artes marciais e outro para impedir a instalação de televisores nas celas.
Em maio uma pesquisa realizada pelo professor e pesquisador David Nemer, da Universidade da Virgínia (EUA), a professora e pesquisadora Mirella Bravo (Faesa Centro Universitário) mostrou como informações enganosas podem impactar a vida de uma comunidade, levando a mudanças na rotina e trazendo consequências graves para os moradores, que até deixam de trabalhar e de sair de casa. Faltam ao emprego, à escola, a consultas médicas.
O levantamento foi realizado no Território do Bem, que inclui o Bairro da Penha, onde fica a sede de uma das facções criminosas que atuam no Estado, o Primeiro Comando de Vitória (PCV). Vários de seus integrantes estão atualmente detidos.
E o que existe nos presídios?
Dos mais de 24 mil detidos no Espírito Santo, cerca de 5,4 mil estão envolvidos em atividades laborativas dentro e fora das unidades prisionais. Outros 3,8 mil são alunos. Além da oferta de educação formal, há cursos de qualificação e capacitação profissional, com foco na ressocialização.
“Muitos presos são de comunidades humildes e não tiveram o à educação. E para que não voltem para o crime ao sair da prisão, precisam ser preparados para ter uma fonte de renda. A ressocialização faz parte da política criminal da qual somos gestores”, observa o secretário.
Para ter o a uma das vagas é preciso ar pela avaliação de uma comissão de classificação técnica, onde é feita uma análise do perfil para identificar a aptidão para o trabalho, onde poderá ser inserido, se tem capacitação, a conduta e o comportamento. Entre os diversos projetos oferecidos estão:
- Fábrica de costura - produz os uniformes do sistema penal, de roupas a chinelos
- Marcenaria - madeira apreendida e pallets usados na produção de móveis a itens decorativos
- Artesanato - vários ateliês que produzem desde bonecos de crochê a produtos de decoração para casa, utilizando retalhos da própria fábrica de uniforme ou tecidos doados por empresas parceiras
- Barbearia/salão de beleza - oferecem cursos de capacitação e qualificação em cortes de cabelo e estética
- Recupera veículo - lavagem e higienização de veículos, mecânica e elétrica automotiva, além de lanternagem e pintura
- Isopor transformado - utiliza marmitas de isopor da unidade prisional, que eram descartadas, na produção de enfeites variados. Projeto ganhou o Prêmio Biguá de Sustentabilidade
- Bloco de concreto - são produzidos mil blocos por dia, utilizados até nas reformas do próprio sistema prisional
- Agrícola - um dos projetos do Pena Justa, com produção de alimentos para o presídio
- Blocos ecológicos - uma nova modalidade que já foi utilizados na construção de casa popular
- Rádios internas - Com programação voltada à massa carcerária, com assuntos sobre educação, rotina interna, saúde, religiosidade, entretenimento e música
- Coral - Maria Marias, na unidade feminina, e o Coral P6, masculino
- Fábrica de vassouras - utilizando garrafas pet
- Piscicultura
- Alojamento Materno Infantil
- Padaria - produção de bolos e pães
- Mãos Solidárias - trabalha com a produção de perucas, turbantes, lenços e prótese mamária em tecido, doados a pacientes com câncer
Segundo informações da Sejus, o material produzido é doado. Nos casos em que ocorre a venda, o recurso é reaplicado no projeto. Muitos contam com incentivos de empresas, faculdades e hospitais.
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